quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Solaris - O que nos faz humanos?


Solaris, de Stanislaw Lem, é um livro de ficção científica, escrito em 1961.
O livro é sobre um planeta – homônimo ao título – coberto de um oceano vivo. Tal oceano, não é composto de células, quanto menos um ser unicelular... Entretanto, é um ser complexo, capaz de formar e copiar ferramentas modificando sua estrutura, e que pode alterar a órbita do seu planeta de forma a pegar o máximo de energia advinda de seus dois sóis.


Por um século, o oceano esteve na mente do ser humano, sempre procurando desvendá-lo. Há praticamente uma ciência inteira para estudá-lo – a solarística – e desde as ruas até as universidades o oceano tem um grande papel cultural. Gerações se passaram... O oceano virou “oceano-iogue”, depois “oceano-débil”. O ser humano estava com vontade de desistir de tentar um contato com o planeta, submetidos pela grande distância física e mental. É nesta atmosfera que o psicológo Kris Kelvin é enviado, no foguete Prometeu, para a base em Solaris.
Ao chegar, dá-se conta das atitudes assustadas dos ocupantes da estação. Snaut o trata hostilmente, como se esperasse alguma reação ruim dele. Sartorius está enclausurado no seu laboratório. Gibarian se suicidou. No dia seguinte, Kelvin descobre o porque...
O oceano enviava “visitantes” para cada membro da estação. Cópias de suas memórias mais obscuras, seus fantasmas, memórias que eles tentam afastar. O livro passa a discutir loucura, limitações, solidão, os defeitos do ser humano. Qual seria a intenção daquele grande cérebro, praticamente um semideus? Seria um experimento? Uma forma de atormentar os visitantes indesejados? Ou até mesmo um presente para aliviar a solidão deles?
Kelvin acorda um dia após a sua chegada com uma mulher sentada ao seu lado. Ela é Hari, sua esposa, que se suicidara 10 anos antes.
No início, o protagonista se apavora por aquela presença. Resolve depois jogar conforme as regras do jogo do oceano. Entretanto, o que é aversão e repulsa passa a se transformar numa piedade e bondade para com Hari.


 – Kris, quem quer eu seja, não sou criança. Você prometeu responder.
“Quem quer que eu seja!” Minha garganta estava apertada. Fiquei olhando Hari e sacudindo estupidamente a cabeça, como se estivesse evitando ouvir mais.

Hari não é humana, fisicamente falando. Ela nem sequer é formada por átomos, antes, por neutrinos mantidos por um campo de força. Suas células, seu sangue, seu corpo; não passam de uma camuflagem.  Ela é tecnicamente imortal.
Ela também sofre. Ela sonha e se sacrifica. Ela não tem muita noção da vida da verdadeira Hari. O que ela é, é apenas uma cópia da memória e dos pensamentos de Kris. Surgida da costela de Adão, Hari não sabe como foi parar em Solaris. Ela nem sequer sabe que sua contraparte real se suicidou. Ela seria apenas um instrumento, e nas melhores das expectativas, um presente.
Porém, na medida em que ela vai tomando consciência de si, vai se humanizando. Sente-se um estorvo para Kris, e tenta cometer o suicídio. Ela não sabe mais quem é, e se vê como motivo de medo e nojo para o homem que ama.


“Hari? – tornou a repetir – Mas... não sou Hari. Quem... sou eu? Hari? E você, você?”

A partir deste momento, quebra-se o antigo relacionamento entre o astronauta e a criatura. Nosso herói não tenta mais afastar e enganar Hari. Um amor começa a ser construído entre os dois.
Kris se mostra compadecido e a trata muito bem – assim como se trata alguém que se ama. Seu novo amor também não é apenas uma cópia exata do antigo. Ela constrói uma personalidade própria, como podemos perceber por esse trecho do livro:

– Olhe, quero perguntar ainda... eu... eu pareço muito com ela?
– Você parecia demais. Agora, já não sei.
– Não estou compreendendo...
Hari levantou e ficou me olhando com seus olhos imensos.
– Agora só há você.
– E tem certeza de que não é ela, mas eu somente, eu que...
– Sim, você. Se você fosse de fato ela, eu talvez não pudesse amá-la...
– Por quê?
– Porque cometi algo horrível.
– Você foi... mau com ela?
– Fui, quando nós...
– Não fale!
– Por quê?
– Para que você não esqueça que sou eu que estou aqui, e não ela.

A obra “Solaris” é magnífica. Não somente como ficção científica, mas igualmente como uma dissecação da humanidade – em contraste com o oceano. O livro, por si próprio, não fala sobre o oceano, mas sobre a humanidade. Geralmente, considera-se o livro como uma crítica a nossa espécie. Tentamos fugir dos nossos próprios medos, e tentamos nos ascender sem mesmo resolvermos nossos problemas.  Entretanto, sempre que ouvir o nome “Solaris” não irei me lembrar imediatamente de tais críticas, da loucura dos pesquisadores, nem sequer do oceano.


A primeira imagem que me virá à mente será a de uma mulher alienígena. Uma mulher que adquiriu sua humanidade em Solaris, enquanto que tantos na Terra a ignoram. É bonito ver a humanidade de Hari se manifestando: Limitações, sonhos, sacrifícios. Ela evolui juntamente com Kelvin, embora também se torture com o experimento do oceano.
Porém, as lágrimas, a solidão e os momentos de ternura nos revelam justamente a beleza do ser humano: Ele é o que é. E Hari, antes de ser algo, também se revela como um ser humano.
Nós não somos formados por neutrinos, não somos criações de um oceano consciente. Nós somos formados por átomos, somos manifestações do código genético. Nós já somos humanos por natureza. Também temos que ser por mérito, assim como Hari. E nos perguntar: O que nos faz humanos?

Um comentário:

  1. é a capacidade de ficar horrorizado/fascinado/abismado com a história do livro. Não é uma boa resposta, admito, mas vou mandar essa e depois que eu fizer Faculdade de Filosofia eu te respondo. OK? Ótima postagem! :)

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