quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Nós que aqui estamos por vós esperamos


Memento mori é uma frase em latim que pode ser considerada o contrário do Carpe diem. Enquanto que o último recomenda aproveitar a vida o máximo que se pode, o outro recomenda agir com cautela e ponderância. A tradução de Memento mori pode chegar a assustar... Significa:

Lembre-se que vai morrer.

A frase era utilizada como uma saudação em certos mosteiros católicos. Servia para relembrar sempre da finitude e insignificância do ser humano.
Mas, porque temos medo da morte?
Porque o medo da morte é um instinto natural, claro. Entretanto, somos seres racionais, não devendo nos curvar aos nossos instintos. A morte é algo tão comum quanto nascer, crescer, comer, etc. Benjamin Franklin disse que na vida, apenas duas coisas eram certas: Pagar impostos e morrer. Discordo dele na parte de pagar impostos – nem todas as pessoas pagam impostos –, entretanto, todas as pessoas morrem.
O que haveria de comum entre um assassino e um santo? Os dois irão morrer. O que haveria de comum entre o presidente dos EUA e um mendigo latino? Os dois irão morrer. A morte é o único destino que todos os seres humanos têm em comum. Túmulos simples (como os da imagem acima) – sem enfeites, apenas a lápide – são recentes e simbólicos: Na morte, todos são iguais.

Descanso a Mediodía - Millet
Você pode simplesmente bater o pé no chão como o filósofo alemão Arthur Schopenhauer e dizer: "Morrer é um absurdo!" Mas lembre-se que Schopenhauer também morreu.
Se a morte é algo tão inevitável, então porque haveríamos de fugir dela? De viver a vida loucamente em vez de vivê-la ponderamente como os monges? Porque haveríamos de ver a morte de ente-queridos como sendo algo inacreditável? Quando a morte chegar, não seria melhor recebê-la como uma boa pessoa que finalmente lhe propiciará um descanso, em vez da velha figura do esqueleto com uma foice? Neste planeta, coisas precisam morrer para que outras nasçam, e funciona assim também com a humanidade.
A espiritualidade também ajuda a se preparar para a morte – especialmente o budismo e o cristianismo. Precisamos nos desapegar das coisas materiais. Não as levaremos para onde iremos.
Dizem que a última hora antes do amanhecer é a mais escura. Por isso, quando tal hora chegar e o mundo se escurecer, vamos nos afastar desta festa um tanto sombria e medonha chamada “vida”. Paremos de dançar, e humildemente, quando o sol raiar, vamos voltar para o nosso lar – de onde viemos. Cedamos nosso espaço para quem acaba de chegar, e que também voltará para casa depois.

Returning Home - Akiane Kramarik
Entremos no nosso lar, e tenhamos finalmente o longo e merecido descanso.

Créditos:
Revista SuperInteressante:  Morte - Maria Fernando Vomero
Deus

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Solaris - O que nos faz humanos?


Solaris, de Stanislaw Lem, é um livro de ficção científica, escrito em 1961.
O livro é sobre um planeta – homônimo ao título – coberto de um oceano vivo. Tal oceano, não é composto de células, quanto menos um ser unicelular... Entretanto, é um ser complexo, capaz de formar e copiar ferramentas modificando sua estrutura, e que pode alterar a órbita do seu planeta de forma a pegar o máximo de energia advinda de seus dois sóis.


Por um século, o oceano esteve na mente do ser humano, sempre procurando desvendá-lo. Há praticamente uma ciência inteira para estudá-lo – a solarística – e desde as ruas até as universidades o oceano tem um grande papel cultural. Gerações se passaram... O oceano virou “oceano-iogue”, depois “oceano-débil”. O ser humano estava com vontade de desistir de tentar um contato com o planeta, submetidos pela grande distância física e mental. É nesta atmosfera que o psicológo Kris Kelvin é enviado, no foguete Prometeu, para a base em Solaris.
Ao chegar, dá-se conta das atitudes assustadas dos ocupantes da estação. Snaut o trata hostilmente, como se esperasse alguma reação ruim dele. Sartorius está enclausurado no seu laboratório. Gibarian se suicidou. No dia seguinte, Kelvin descobre o porque...
O oceano enviava “visitantes” para cada membro da estação. Cópias de suas memórias mais obscuras, seus fantasmas, memórias que eles tentam afastar. O livro passa a discutir loucura, limitações, solidão, os defeitos do ser humano. Qual seria a intenção daquele grande cérebro, praticamente um semideus? Seria um experimento? Uma forma de atormentar os visitantes indesejados? Ou até mesmo um presente para aliviar a solidão deles?
Kelvin acorda um dia após a sua chegada com uma mulher sentada ao seu lado. Ela é Hari, sua esposa, que se suicidara 10 anos antes.
No início, o protagonista se apavora por aquela presença. Resolve depois jogar conforme as regras do jogo do oceano. Entretanto, o que é aversão e repulsa passa a se transformar numa piedade e bondade para com Hari.


 – Kris, quem quer eu seja, não sou criança. Você prometeu responder.
“Quem quer que eu seja!” Minha garganta estava apertada. Fiquei olhando Hari e sacudindo estupidamente a cabeça, como se estivesse evitando ouvir mais.

Hari não é humana, fisicamente falando. Ela nem sequer é formada por átomos, antes, por neutrinos mantidos por um campo de força. Suas células, seu sangue, seu corpo; não passam de uma camuflagem.  Ela é tecnicamente imortal.
Ela também sofre. Ela sonha e se sacrifica. Ela não tem muita noção da vida da verdadeira Hari. O que ela é, é apenas uma cópia da memória e dos pensamentos de Kris. Surgida da costela de Adão, Hari não sabe como foi parar em Solaris. Ela nem sequer sabe que sua contraparte real se suicidou. Ela seria apenas um instrumento, e nas melhores das expectativas, um presente.
Porém, na medida em que ela vai tomando consciência de si, vai se humanizando. Sente-se um estorvo para Kris, e tenta cometer o suicídio. Ela não sabe mais quem é, e se vê como motivo de medo e nojo para o homem que ama.


“Hari? – tornou a repetir – Mas... não sou Hari. Quem... sou eu? Hari? E você, você?”

A partir deste momento, quebra-se o antigo relacionamento entre o astronauta e a criatura. Nosso herói não tenta mais afastar e enganar Hari. Um amor começa a ser construído entre os dois.
Kris se mostra compadecido e a trata muito bem – assim como se trata alguém que se ama. Seu novo amor também não é apenas uma cópia exata do antigo. Ela constrói uma personalidade própria, como podemos perceber por esse trecho do livro:

– Olhe, quero perguntar ainda... eu... eu pareço muito com ela?
– Você parecia demais. Agora, já não sei.
– Não estou compreendendo...
Hari levantou e ficou me olhando com seus olhos imensos.
– Agora só há você.
– E tem certeza de que não é ela, mas eu somente, eu que...
– Sim, você. Se você fosse de fato ela, eu talvez não pudesse amá-la...
– Por quê?
– Porque cometi algo horrível.
– Você foi... mau com ela?
– Fui, quando nós...
– Não fale!
– Por quê?
– Para que você não esqueça que sou eu que estou aqui, e não ela.

A obra “Solaris” é magnífica. Não somente como ficção científica, mas igualmente como uma dissecação da humanidade – em contraste com o oceano. O livro, por si próprio, não fala sobre o oceano, mas sobre a humanidade. Geralmente, considera-se o livro como uma crítica a nossa espécie. Tentamos fugir dos nossos próprios medos, e tentamos nos ascender sem mesmo resolvermos nossos problemas.  Entretanto, sempre que ouvir o nome “Solaris” não irei me lembrar imediatamente de tais críticas, da loucura dos pesquisadores, nem sequer do oceano.


A primeira imagem que me virá à mente será a de uma mulher alienígena. Uma mulher que adquiriu sua humanidade em Solaris, enquanto que tantos na Terra a ignoram. É bonito ver a humanidade de Hari se manifestando: Limitações, sonhos, sacrifícios. Ela evolui juntamente com Kelvin, embora também se torture com o experimento do oceano.
Porém, as lágrimas, a solidão e os momentos de ternura nos revelam justamente a beleza do ser humano: Ele é o que é. E Hari, antes de ser algo, também se revela como um ser humano.
Nós não somos formados por neutrinos, não somos criações de um oceano consciente. Nós somos formados por átomos, somos manifestações do código genético. Nós já somos humanos por natureza. Também temos que ser por mérito, assim como Hari. E nos perguntar: O que nos faz humanos?

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

As Colinas Verdejantes da Terra




Ao criar este blog, veio uma dúvida imediata a minha cabeça: Qual deveria ser a primeira postagem?
Pensando nisso, pus-me a procurar alguns arquivos no meu computador, que pudessem ter um conteúdo agradável - tanto para mim quanto para o leitor.
Foi então que encontrei esta humildade tradução que fiz do poema "The Cool Green Hills of Earth", de Robert A. Heinlein.
A tradução é livre, e como podem perceber, não muito boa. Quando resolvi traduzir este poema - por não ter encontrado traduções na internet -, não imaginava como seria difícil.
Mas, aí está. Guardei esta tradução há um bom tempo no meu computador - desde o ano passado para ser exato -. Espero que gostem.

Poema original (em inglês): 

The Green Hills of Earth 

Let the sweet fresh breezes heal me
As they rove around the girth
Of our lovely mother planet
Of the cool, green hills of Earth.

We've tried each spinning space mote
And reckoned its true worth:
Take us back again to the homes of men
On the cool, green hills of Earth.

The arching sky is calling
Spacemen back to their trade.
ALL HANDS! STAND BY! FREE FALLING!
And the lights below us fade.

Out ride the sons of Terra,
Far drives the thundering jet,
Up leaps a race of Earthmen,
Out, far, and onward yet ---

We pray for one last landing
On the globe that gave us birth;
Let us rest our eyes on the fleecy skies
And the cool, green hills of Earth.

Robert A. Heinlein 


Tradução: 

As Colinas Verdejantes da Terra 

Deixe a doce brisa fresca me curar
Como ela vaga por toda esfera
Do nosso amável e materno planeta
Nas frescas, verdejantes colinas da Terra.

Nós tentamos cada órbita de partícula espacial
E reconhecemos um valor que regenera
Leve-nos de volta para o lar dos homens
Nas frescas, verdejantes colinas da Terra.

A abóbada celeste está chamando
Homens do espaço voltem para os seus postos.
A BORDO! AGUARDEM! DECOLANDO!
E os luminares abaixo de nós ficaram foscos.

Percorram afora filhos da Terra,
Levem para longe o jato trovejante,
Ascendam uma raça de terráqueos,
Para fora, longe, e adiante ---

Oramos por um sonho: A imagem de homens que viajam
Para o globo que nos concede a primavera;
Que nossos olhos e os céus macios interajam
Nas frescas, verdejantes colinas da Terra.